Em 17 de abril de 2022, surgiu no coração do torcedor do Internacional um grande vazio a ser preenchido. Naquele dia, Andrés Nicolás D’Alessandro encerrou sua carreira diante de 36.573 presentes no Beira-Rio. Foram 529 jogos, 97 gols e 113 assistências do argentino com a camisa 10 vermelha e, com ele, um pedaço de uma era se foi para cada torcedor colorado. A solução veio na forma de outro meio-campista clássico.
Alan Patrick não é argentino nem gaúcho. Nascido em Catanduva, cidade do interior de São Paulo, foi formado no Santos ao lado de Neymar. Já havia passado por Porto Alegre entre 2013 e 2014 e assumiu não apenas o número 10, mas também a braçadeira de capitão e a liderança do grupo deixadas por D’Ale.
“Substituir um ídolo é difícil. O torcedor tem a imagem de D’Alessandro, uma identidade construída. Para mim, é uma honra dar continuidade a isso, como já disse a ele”, afirmou em sua apresentação em 2022. Em entrevista à PLACAR de fevereiro, ele completa: “Me preparei para a minha melhor versão sendo eu mesmo, porque acredito que, quando começamos a nos comparar ou ser algo que não somos, tudo acaba. O resultado é ruim”.
O maestro do Inter nunca tentou ser algo que não é, mas também amadureceu. Na primeira passagem pelo Sul, ouviu do treinador Abel Braga que era excessivamente técnico e tinha pouco da escola gaúcha. Ou seja, faltava-lhe intensidade durante as partidas. Ele nunca esqueceu a lição: “Aprendi muito com o Abelão, é um grande mentor. Cada jogador tem suas características, mas é claro que sempre podemos melhorar. Sabemos que aqui no Sul os times têm tradição de lutar, um espírito guerreiro, mas isso depende muito da maneira como a equipe joga. Naquela época, eu tinha 22, 23 anos… Dez anos depois, entendo melhor o momento do jogo e sei que posso abdicar um pouco do aspecto técnico para competir também”.
Aos 32 anos, a melhor versão da carreira de Alan Patrick veio relativamente tarde – o que não nos impede de destacar seu ótimo futebol. Antes de retornar ao Inter, o meio-campista esteve na Ucrânia, de 2017 a 2022. Lá, chegou a atuar mais recuado, como volante, e amadureceu.
“No começo aqui no Brasil, faltou um pouco de consistência, mesmo. Houve muitos altos e baixos, até mesmo antes de voltar para o Inter. Foi depois de 2019 que consegui me firmar, ter mais regularidade. Agora vejo que consigo manter”.
Os números comprovam isso: 2023 foi o ano em que mais atuou (62 vezes), marcou mais gols (16) e distribuiu mais assistências para os companheiros (10). No Brasileirão, esteve entre os seis jogadores mais criativos: 67 passes decisivos, seguidos de finalização, de acordo com estatísticas do site Sofascore. Raphael Veiga, do campeão Palmeiras, liderou o quesito com 86. Ele passou a ser chamado de mágico pelos torcedores por sua consistência em encontrar passes improváveis a cada jogo.
“Acredito que boa parte dessa temporada bem-sucedida se deve à consistência física, por não ter sofrido nenhuma lesão ou interrupção. Isso atrapalha muito, então foi um ponto muito importante para eu mostrar regularidade”.
Pouco depois de retornar ao Beira-Rio, em julho de 2022, Alan Patrick ficou fora de combate por quatro semanas devido a uma lesão na coxa esquerda. Ele havia passado quase seis meses sem jogar, de novembro de 2021 a maio de 2022, devido à paralisação do futebol na Ucrânia, causada pela guerra com a Rússia. Ele voltou na eliminação do Inter para o Melgar, nas quartas de final da Sul-Americana, e terminou o Brasileirão como vice-campeão nacional. Foram 30 jogos, sete gols e quatro assistências – números modestos em comparação com o que estava por vir em 2023.
Alan Patrick chegou ao Santos com apenas 12 anos, viajando na caçamba de um caminhão de açúcar com seu pai, pois não tinham condições de pagar pelo transporte. Foi vendido aos 20 anos, após apenas 37 jogos como profissional, para o Shakhtar Donetsk. Criado desde as categorias de base como um típico camisa 10, ele era comparado a Juan Román Riquelme, mas acabou sendo rotulado como lento e displicente em suas passagens por Palmeiras e Flamengo, apesar de suas boas atuações na equipe carioca.
Pouco afeito a entrevistas e discreto fora de campo, ele viveu, no Flamengo, uma rara polêmica extracampo. Foi afastado pelo clube junto com outros quatro jogadores devido a um churrasco em meio ao mau momento da equipe em 2015. O episódio ficou conhecido como o “Bonde da Stella”, uma referência irônica à cerveja Stella Artois feita pelos torcedores.
“Foi um aprendizado. No Flamengo, tudo é extremo, tudo repercute muito, mas a vida nos mostra algumas coisas. Não permiti que aquele episódio interferisse na minha vida pessoal”.
O momento atual é diferente e o jogador claramente deu a volta por cima. Mas ele reconhece que seu estilo de jogo não é consenso. “O camisa 10 clássico, mais cerebral, está cada vez mais raro. Há muita exigência física e tática, então as preferências dos treinadores começam já na transição da base para o profissional”, avalia.
“Muitas vezes, o técnico opta por um jogador com características diferentes, abrindo mão de um meia que não entrega o que todos esperam. Tomara que os profissionais que fazem essa transição [para a equipe principal] possam ter mais cuidado com os jovens camisas 10 para que ainda possamos vê-los no futuro”.
Para a torcida colorada, o que importa é que, mesmo sendo alvo de diversas equipes na última janela de transferências, o meio-campista surpreendeu o mercado ao anunciar a extensão de seu contrato até o final de 2026.
“São vários fatores. Minha família teve um peso muito importante nessa decisão. Eles estão muito felizes e adaptados à vida em Porto Alegre. O Inter foi o clube que me acolheu em meio ao caos na Ucrânia. Não sabia o que ia acontecer, assim como os jogadores que estavam lá. Tenho muita gratidão. Tudo isso se juntou para que eu pudesse continuar escrevendo minha história no clube”, explica.
Se mantiver o bom futebol apresentado em 2023, Alan Patrick pode levar o Inter a conquistar um troféu de expressão, algo que não ocorre desde 2010, quando o clube venceu sua segunda Libertadores – o título mais recente foi a Recopa Gaúcha em 2017… Apesar de ter participado da campanha do Estadual de 2014, com um gol de pênalti na final contra o Grêmio, falta uma conquista importante pelo clube que aprendeu a amar.
“O mais importante é que a base [de 2023] permaneceu. Nossa torcida está otimista em levantar um troféu, estamos nos preparando para isso. No ano passado, chegamos perto, e às vezes é difícil explicar certas coisas no futebol”, diz o jogador, relembrando a derrota de virada para o Fluminense, no Beira-Rio, na semifinal da Libertadores. A equipe vencia por 1 a 0 até os 36 minutos do segundo tempo, mas viu escapar pelos dedos o sonhado retorno à final: “Foi a eliminação mais dolorosa da minha carreira”.
Isso nos leva a pensar: está na hora de Alan Patrick vestir a camisa da seleção principal pela primeira vez? O técnico Fernando Diniz, antes de ser demitido, afirmou publicamente que considerava fortemente convocá-lo. O novo técnico, Dorival Júnior, também já mencionou que pretende utilizar mais jogadores em atividade nos times brasileiros, sem mencionar Alan Patrick.
“Tenho o sonho, mas sempre tive consciência de que preciso estar muito bem no meu clube para que isso aconteça. É assim que continuo pensando. Vou me preparar e manter a esperança, mas com os pés no chão, focado no Inter”.
De acordo com a fonte placar.com.br